Na sala da casa já muito antiga da zona rural de Pernambuco, a velha se preparava como fazia todos os dias. Arrumava seu cabelo em um coque e enrolava o novelo. Sozinha, na sala escura iluminada por uma pequena vela e acompanhada por sua caneca de água, sentava-se em frente à roda da qual gostava de passar todas as noites, a fiar. Nessa noite, no entanto, seria um pouco diferente.
Tudo começou com a presença de uma pequena mosca que entrou pela janela que dava para o pasto. Ela foi direto no nariz da velha, importunando-a. Despercebidamente, a velha apenas a expulsou e continuou a fiar. A mosca, repousada no chão perto da velha, acabou por experenciar o seu próprio remédio logo em seguida, quando uma imensa aranha desce de sua teia do teto e a ataca. A mosca prontamente se refugiou na velha, que a afastou com um tapa e que, por sua vez, continuou a fiar.
A aranha, desolada por ter deixado escapar sua presa, nem percebeu quando um rato branco saiu de sua toca para atacá-la. A aranha, mais esperta que o rato, por pouco escapa e acaba encontrando seu antigo jantar, que foge mais uma vez para de novo encontrar a velha, que já estava irritada com a mosca que sempre a atrapalhava. A velha, no entanto, continuou a fiar.
Mal sabia o rato que o gato, seu eterno rival na fazenda da velha, estava a sua espera. O gato salta por cima do rato, que foge desesperadamente e que acaba por de novo tentar abocanhar a aranha que pula para cima da mosca que voa para o braço da velha que o sacode violentamente para tirar a inoportuna mosca e, assim, continuar a fiar. Mas numa fazenda, os bichos sempre têm que tomar cuidado….pois o mais antigo vira-lata não ia deixar barato, nem com o peso de seus 12 anos de companhia prestados a velha. E o gato, que até então se achava o “maioral”, se viu perseguido pelo cachorro e voltou a perserguir o rato. Este tentou mais uma vez comer a aranha que avançou na mosca que voou sobre a velha, atazanando-a. Pequenos animais são comuns nesses lugares. E a velha, simplesmente, continuou a fiar.
Cada um no seu canto…todos quietos. A mosca, a aranha, o rato, o gato, o cachorro…e a velha a fiar. A sala, contudo, não deixaria tuda em paz e na mais perfeita (des)ordem. Se os animais não mais se manifestariam, espíritos demoníacos decidiram intervir. Um pedação de madeira voou em direção ao cachorro, que descontou no gato, que provocou o rato, que atacou a aranha, que quase pegou a mosca que importunou a velha, que permaneceu a fiar.
Mas tinha mais de uma entidade no local, pois da vela saiu uma bola de fogo que foi atacar o pau que tinha optado por ficar quieto em seu lugar, desencadeando uma sequência de ataques que mais uma vez levou a mosca à velha. Esta, impressionantemente alheia a todo o rebuliço ao seu redor, apenas regojizou-se da melhora da iluminação para continuar a fiar. No entanto, a nova iluminação sofreu perturbações quando a água da caneca de metal se multiplicou sozinha e foi ao seu encontro. Os ataques mútuos continuavam, ninguém queria sair perdendo nessa guerra. Só a velha…que a continuava a fiar.
A essa altura, essa história parecia não ter fim. Um boi entrou na sala buscando beber da água que se multiplicou. A seca há muito estava acabando com o interior, e o boi não iria deixar a possibilidade de saciar sua sede ir embora. A água, no entanto, decidiu voltar a atacar o fogo, que atacou o pau, que tentou bater no cahorro, que avançou no gato, que pulou em cima do rato, que tentou prender a aranha, que avançou na mosca que zuniu pela velha. E a velha? Ah…essa CONTINUAVA A FIAR!
O rebuliço finalmente chamou a atenção do resto da família. O filho da velha foi ao seu socorro pegar o boi, que já tinha desistido da água. Mas o animal quando viu que a ia perder para sempre, tentou dar mais um gole…mas á agua não ia se perder sem antes tentar apagar o fogo e todo o processo re-continuava. Tudo acontecendo e a velha , aparentemente surda, muda e cega, continuava a fiar.
A esposa dele foi tentar ajudá-lo, berrando mais do que podia e irritando o homem que tentava resolver a situação com o boi….e…e…e…. Por fim, a nora da velha morreu ao seu lado. Ato da própria Morte. Pela primeira vez a velha olha para os lados. Em sua sala antes tranquila, estavam uma mosca, uma aranha, um rato, um gato, um cachorro, um pau flutuante, uma bola de fogo, uma bola de água, um boi, seu filho e sua nora morta no chão (além da companhia da morte). Desesperada e sem saber como proceder, a velha sentou-se….e continuou a fiar….